Estivemos à conversa com Nadine Santos, uma cientista, investigadora e docente da Universidade do Minho, com um percurso de vida absolutamente extraordinário e inspirador. E, não é só no campo profissional que esta cientista dá cartas, ela também se destaca pela solidariedade e altruísmo.
Nestes dias de isolamento social, para travar esta pandemia da Covid-19, queremos dar-lhe boas leituras. Assim, esta será uma entrevista que não vai querer deixar de ler!
Publicaremos em três dias consecutivos, sendo esta a primeira parte. Por certo, desta forma, prestará a maior atenção a cada palavra.
*Descreva-nos, resumidamente, o seu percurso profissional.
Olá! Antes de mais gostaria de começar por agradecer não só esta oportunidade de partilha de um pouco de mim com todos vós, como, também, reconhecer o Blogue Abecedário da Educação pelo seu maravilhoso serviço público-educacional.
No que reporta ao meu trajeto, começo talvez pelo fim – presentemente sou investigadora no Centro de Medicina Digital P5 (https://www.p5.pt/) e docente na Escola de Medicina da Universidade do Minho (https://www.med.uminho.pt/pt). O percurso prévio tem, porventura, tanto de tradicional como de atípico. Ao terminar o 12.º ano (na Escola Secundária Gabriel Pereira em Évora), num tradicional percurso na via científico-humanística, voltei, curiosamente, a repetir esse mesmo ano enquanto exchange student nos EUA.
Foi uma escolha de pausa e de melhoria do inglês. Isto transformou-se num ano extraordinário que me abriu imensas portas e me permitiu, sobretudo, ponderar escolhas e trajetos. Nunca tive nenhuma dúvida que queria ser cientista – não sabia era exatamente em que área.
Após esse ano (estamos a recuar a 1997/98), tive a maravilhosa e única oportunidade de ingressar no Austin College, um reconhecido Liberal Arts College que alia, no seu currículo/programa formativo, a ciência “pura e dura” às humanidades. Recebi para tal uma Full Scholarship. Este prémio, ao forçar-me a manter notas altas a fim de manter o apoio financeiro, acabou por permitir a ingressão num treino pós-graduado após a obtenção do BA em Bioquímica.
Fiz um mestrado em Ciências Forenses, seguido de um doutoramento em Biociências Moleculares, ainda nos EUA.
Regressei em dezembro de 2009 a Portugal. E, tenho desde aí sido, primariamente, investigadora na Escola de Medicina da Universidade do Minho no seu Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS).
*Quando descobriu a paixão pela Ciência? Por que seguiu esta profissão?
Descobri a paixão pela Ciência cedo, muito cedo! Anunciei aos 9 anos, logo no início do 5.º ano, que iria ser cientista. Mas diria que a vontade se vincou por volta 11 anos de idade quando, além de uma natural curiosidade por tudo e de um espírito do “porque é que?”, uma combinação de múltiplos fatores foram decisivos.
Saliento a paixão por ficção científica que trazia o inesperado e o engenho. Também a presença de já algumas personagens, mulheres cientistas, em filmes e em séries televisivas abriam-me possibilidades e rumos ainda não considerados.
Mas, sobretudo, o seguir desta profissão foi o resultado de todo um conjunto de professores em ciências (da natureza), e áreas afins. Estes eram verdadeiramente inspiradores e apaixonados pelo conhecimento que nos incutiam. A qualidade da educação que tive em ciências foi notável durante todo o 2.º e 3.º ciclos e no secundário.
Esta combinação de fatores mantém-se de certa forma até hoje. Com o adicionar, é claro, quando terminada toda a formação académica, de ser agora investigadora e não conseguir imaginar outra carreira que não aquela de poder contribuir, em alguma medida, e de alguma forma, para o conhecimento, bem-estar e qualidade de vida de todos nós.
Faço-o todos os dias com verdadeiro prazer e não há melhor força motivadora para assim continuar nesta carreira. Era o sonho e ainda é o sonho – que possa continuar a fazer ciência.
*Na Universidade do Minho, qual é a sua área de investigação?
Tem evoluído ao longo do tempo. O treino em ciências é de certa forma curioso – treina-nos a pensar, a questionar e a ser críticos. Treina-nos a ser metódicos e inquisitivos. Como tal, tornamo-nos versáteis e, até um certo grau, capazes de “exercer” independentemente da área de investigação.
Evoluímos conforme as necessidades, forças das circunstâncias e oportunidades, sempre com o alicerce do nosso treino em saber pensar e saber fazer.
A minha formação foi em biociências moleculares, mais especificamente em mecanismos e cascatas moleculares em sistemas reprodutivos. No entanto, no ICVS estive sempre associada à área das Neurociências até ao estabelecimento, há cerca de dois anos, do domínio da Saúde das Populações onde agora a minha investigação se integra.
Fui assim “saltando” de mecanismos moleculares até, no hoje, o estudo da cognição no envelhecimento. Repare-se que sem fortes bases moleculares, bioquímicas, não conseguiria esta evolução. Como em tantas outras coisas são os fortes alicerces que nos permitem os voos.