Para Pais Especiais

Bebé Ideal versus Bebé Real

O tema para este artigo surgiu do vídeo “Bem-vindos à Holanda” com um texto da autoria de Emily Perl Knisley, que nos remete para o sonho vivido por uma mãe durante o período da gravidez, comparando-o ao sonho da preparação de uma viagem a Itália.

Assim como a preparação da viagem implica a vivência de fantasias que povoam o nosso imaginário, sobre tão magnífico país de poetas, escultores, pensadores e os mais variados artistas, recheado de paisagens maravilhosas, também o período da gravidez traz a vivência das mais belas fantasias que começam por relacionar a jovem mãe com um bebé ideal, que supera em muito qualquer bebé real.

Na verdade, este bebé está construído inteiramente à medida do imaginário da mãe e, como não é real, mas imaginário, é inteiramente à medida da representação social de bebé que, juntamente com outras representações sociais, estereótipos ou preconceitos, inconscientemente fazem parte da nossa maneira de ser, porque foram adquiridos ao longo do nosso processo de socialização e, por isso, dão-nos a imagem de um bebé “perfeitinho”, sem qualquer “mácula” na sua constituição física e nas suas capacidades cognitivas. Também a Itália real, anda, se pensarmos bem, longe da Itália imaginada pela maior parte de nós.

“Bem-vindos à Holanda”

O problema surge pelo facto do voo em que a viajante embarcou ter alterado a rota de destino. Repentinamente, é-lhe comunicado que acabara de aterrar na Holanda, frustrando toda a preparação e as fantasias que foram vivenciadas durante a preparação de tão magnífica jornada.

Assim, também a mãe, após o parto, é confrontada com uma realidade que frustra em muito a que fora vivenciada durante o período da gravidez.

O bebé que lhe é posto no colo é um bebé real: chora, dá más noites de sono, suja a fralda, altera os hábitos sociais da família, enfim, parece que o sonho está a desvanecer-se e a tornar-se num pesadelo.

Deste novo estado mental da mãe ao do pesadelo vai apenas um passo. Na verdade, esse passo surge abruptamente se este bebé real, for “para mais” portador de deficiência física ou intelectual, que o afasta por completo do bebé imaginado pela mãe e do da representação social de bebé, com a qual cresceu.

Nunca tal hipótese havia, sequer, aflorado nos seus piores sonhos. O sonho desmoronou-se como um castelo de cartas. O chão fugiu-lhe, de repente, debaixo dos pés.

Esta nova realidade impede-a, agora, de ver o seu verdadeiro bebé e de estabelecer com ele uma relação de vinculação segura, permitindo-lhe desenvolver uma comunicação eficaz e responder de forma assaz às suas solicitações, necessidade tão premente da cria humana que podemos, até, considerá-la uma necessidade básica ou primária, uma vez que é, comparavelmente à necessidade de alimentação ou de cuidados de saúde, tão fundamental ao desenvolvimento físico, cognitivo e psicológico do bebé.

Sonho ou Pesadelo?

Tal como a alegre viajante, tem necessariamente que fazer o luto da viagem imaginada, para poder usufruir da viagem real que a levou de forma inesperada à Holanda, também a jovem mãe tem que fazer o luto do seu bebé idealizado, para poder começar a relacionar-se com o seu bebé real.

Esta tarefa parece fácil, porém implica que a mãe tenha capacidade para começar a vivenciar a nova realidade, para além dos estereótipos e dos preconceitos que a afastam de um relacionamento vinculativo e “securizante” com o seu bebé.

Terá que, com todo o sofrimento e esforço que isso implica, começar a olhar para a nova realidade com um novo olhar, “despindo-se” de si própria para dar lugar à nova mãe, que surgirá da aceitação do seu bebé na sua plenitude e singularidade.

Logo que ela consiga fazer o luto do seu bebé ideal e abraçar com apego o seu bebé real, terá capacidade para perceber que, ao fim de contas, este “desvio” no destino do “voo” foi, talvez, até, uma bela surpresa.

Porém, a jovem mãe nunca poderá, verdadeiramente, conhecer a “Holanda” e o seu verdadeiro esplendor, se os seus olhos lhe continuarem a mostrar uma realidade marcada pelo preconceito e pela desilusão, categorizada na sua representação social de bebé.

Sonho ou pesadelo? É a capacidade de adaptação da jovem mãe ao seu bebé quem vai decidir. A capacidade para se relacionar com o seu bebé de verdade e não com o bebé que gostaria que fosse. Assim será esta viagem, assim como os seus olhos.

Ainda que o preço a pagar por esta jornada vá além das lágrimas que teimam em torvar-lhe o olhar e desviá-lo da realidade, a sua realidade.

2 comentário em “Para Pais Especiais

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